É notório que as alíquotas de ICMS aplicadas nas operações interestaduais foram definidas com o intuito de assegurar que parte da arrecadação do imposto fosse devida ao local em que a mercadoria é comercializada ao consumidor final.

Por sua vez, a internet permitiu que o comércio varejista se transformasse significativamente. As transações comerciais que anteriormente ocorriam em estabelecimentos físicos, via de regra, situados no mesmo domicílio tributário do consumidor final, passaram a ser realizadas também de maneira remota oriundas de estabelecimentos situados em outras unidades federativas.

O comércio eletrônico trouxe também impacto na dinâmica de arrecadação do ICMS, pois na operação interestadual destinada a consumidor final não contribuinte, a Constituição Federal de 1988 definia como sujeito ativo a unidade federada de origem da operação. Ou seja, os Estados situados em pontos estratégicos para fins logístico e também aqueles que possuíam alto grau de industrialização passaram a concentrar a arrecadação do ICMS das vendas via e-commerce.

A edição da Emenda Constitucional nº 87/2015 teve a finalidade de reequilibrar a arrecadação do ICMS que vinha sendo impactada com o avanço das operações de comércio eletrônico. Neste sentido, a tributação das vendas interestaduais destinadas ao consumidor final passaria a ser partilhada entre a unidade federativa de domicílio do remetente da mercadoria, correspondente a alíquota de ICMS da operação interestadual, e o Estado de destino equivalente ao diferencial de alíquotas (DIFAL). Assim, o recolhimento da parcela ao ente destinatário da mercadoria corresponderia à diferença entre a alíquota interestadual e a carga tributária interna.

Para a efetiva cobrança do DIFAL, pelos Estados e o Distrito Federal, as disposições da EC nº 87/2015 foram regulamentadas pelo Convênio CONFAZ ICMS nº 93/2015, que dispôs sobre a forma de apuração e recolhimento do ICMS nas operações destinadas ao consumidor final, cujas previsões foram internalizadas pelas unidades federativas nos respectivos Regulamentos do ICMS.

Vale ressaltar que o referido convênio atribuiu a responsabilidade pelo recolhimento do diferencial de alíquotas aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES NACIONAL.

Ocorre que o regime do SIMPLES NACIONAL foi instituído pela Lei Complementar nº 123/2006 com o intuito de reduzir a burocracia relativa à apuração e pagamento dos tributos pelos micros e pequenos empreendedores (com faturamento anual inferior a R$ 4,8 milhões) por meio da unificação do recolhimento dos tributos devidos pela industrialização, comercialização e prestação de serviço, sujeitos a alíquotas fixas sobre a receita bruta mensal.

Por sua vez, a cobrança da diferença de alíquotas de contribuintes do SIMPLES NACIONAL, além de resultar no aumento significativo da carga tributária, submeteria o contribuinte a análise e cumprimento da complexa e casuística legislação estadual das 27 unidades federativas, contrariando a lógica que fundamentou a instituição do regime simplificado de arrecadação. Ou seja, um grave prejuízo às microempresas e empresas de pequeno porte.

Por estes motivos, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5464 impugnando a cobrança do diferencial de alíquotas nas operações com consumidor final realizadas por contribuintes optantes pelo SIMPLES NACIONAL, considerando a necessidade de alteração da Lei Complementar nº 123/2006, que rege o regime simplificado, autorizando a cobrança do DIFAL.

O recolhimento do diferencial de alíquotas nas operações interestaduais com consumidor final não contribuinte do ICMS, realizadas por empresas optantes pelo regime unificado de arrecadação, foi instituído em janeiro de 2016 e no dia 17 de fevereiro daquele ano o Ministro Dias Tófoli concedeu a medida liminar suspendendo a cobrança da exação regulamentada pelo Convênio ICMS 93/2015.

Sob amparo da liminar, os contribuintes optantes pelo SIMPLES NACIONAL deixaram de submeter suas operações ao recolhimento do diferencial de alíquotas no período de fevereiro de 2016 a fevereiro de 2021, quando o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento da ADI 5469, declarou a inconstitucionalidade da cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 que previa aplicação do DIFAL nas operações realizadas por empresas optantes pelo SIMPLES NACIONAL.

Ademais, a Suprema Corte modulou os efeitos da decisão acerca da cláusula nona do Convênio nº93/2015, retroagindo os efeitos à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5464/DF. Na prática a Suprema Corte afastou a cobrança do DIFAL das operações interestaduais destinadas a consumidor final das mercadorias realizadas por empresas do SIMPLES NACIONAL, tendo em vista que as disposições do convênio invadiram a competência resguardada a lei complementar pelo artigo 146, parágrafo único da Constituição Federal.

Por conseguinte, o Supremo Tribunal Federal julgou prejudicada a apreciação da ADI 5464, que discutia especificamente a invasão de competência da Lei Complementar nº 123/2006 pela cláusula nona do Convênio. 93/2015, em razão do julgamento da ADI 5469 que declarou a inconstitucionalidade da disposição.

Note-se que em janeiro de 2022, a Lei Complementar nº 190/2022 foi sancionada pelo Presidente da República para regulamentar as disposições da Emenda Constitucional nº 87/2015 no âmbito nacional.  Cabe destacar que o texto da Lei Complementar não prevê expressamente a aplicação do diferencial de alíquotas nas operações interestaduais realizadas por contribuinte optante pelo SIMPLES NACIONAL.

Neste sentido, a ausência de alteração da Lei Complementar nº 123/2006 excetuando do regime do SIMPLES NACIONAL os recolhimentos de ICMS relativos as operações destinadas a consumidor final da mercadoria, ao nosso ver, é suficiente para concluir que a exação não se aplica nas vendas realizadas por contribuintes optantes pelo regime simplificado de arrecadação.

Fabio Forbeck