Sancionado o Marco Legal das StartUps, um dos principais pontos de atenção do legislador foi a capitalização destas empresas, seja através de investimento privado, seja através de investimentos comprometidos com a destinação em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D). Neste breve artigo, comentaremos ambas as modalidades tratadas pelo legislador.
INVESTIMENTO EM STARTUPS POR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA
Com o intuito de promover maior segurança jurídica no âmbito dos investimentos em StartUps, a exemplo do que fez a Lei de Liberdade Econômica, o Marco Legal reafirmou garantias que os investidores não sócios já gozavam antes da promulgação da Lei, mas que, em virtude de decisões judiciais pontuais, acabavam por não ser respeitadas, levando ao investidor sem participação no capital social a responder pelas dívidas da sociedade como se acionista fosse.
Desta forma, determinou a Lei, investimentos como o de mútuo conversível, debêntures, sociedade em conta de participação, investidor-anjo, ou quaisquer outros que não gerem participação societária, enquanto não convertidos em ações, seja por serem apenas remuneratórios, seja por ainda não terem alcançado o termo de reversão no capital social, não levarão ao investidor responsabilidade pelas dívidas sociais – inclusive pelas de natureza trabalhista ou tributária, como explicitamente afastou o Legislador.
Para gozar desta previsão, contudo, o investidor não poderá atuar na administração da StartUp, sob pena de ter desconsiderada a sua exclusão de responsabilidade. Esta determinação do legislador surge, com efeito, como limitadora do escopo do investimento, pois permite ao investidor atuar apenas como um conselheiro informal.
Seja como for, apesar de o dispositivo indicar que o investidor não será responsável por qualquer dívida da empresa, por essa regra deve-se entender que ele não responderá com seu patrimônio apenas pelas dívidas sociais, vale dizer, aquelas oriundas do regular exercício da atividade empresarial. Caso o investidor, num determinado contrato, por exemplo, assuma a posição de fiador de determinada obrigação, naturalmente, responderá, pessoalmente, pelo seu adimplemento.
INVESTIDOR-ANJO
Embora regule genericamente todas as formas de investimento que não geram participação societária, o Marco Legal dispôs mais minuciosamente sobre o investimento-anjo. As previsões, contudo, limitaram o grau de autonomia negocial das partes.
Por exemplo, para exercer o direito de resgate, a Lei manteve o período de lock-up de dois anos. Ou seja, o investidor-anjo apenas poderá obter a remuneração ajustada, ou a conversão do valor investido em participação social, após o escoamento deste prazo mínimo, contado a partir da realização do aporte. Não nos parece que, dentro dos limites da autonomia negocial, houvesse problemas na realização de um aporte com resgate programado para período mais curto, quando da ocorrência, por exemplo, de evento relevante à StartUp.
Ocorrendo a limitação, como fez o legislador, contudo, seria razoável oferecer, em contrapartida, uma tributação mais interessante ao investidor, de modo a estimular a manutenção do capital na empresa, o que, apesar do grande apelo do mercado, acabou não ocorrendo. Com isso, manteve-se o panorama anterior, que, na visão da Receita Federal do Brasil, conforme disciplinado pela Instrução Normativa RFB nº 1.719/2017, é a seguinte: o investidor-anjo poderá obter até 50% do lucro obtido pela StartUp, e a alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte, incidente sobre esta operação, manterá certa regressividade, típica dos investimentos financeiros, com prazo contado a partir da realização do investimento, qual seja: 22,5%, até 180 dias; 20%, entre 181 e 360; 17,5%, entre 361 e 720; e 15%, dos 720 dias em diante.
Neste ponto, dado que o contrato poderá ter um prazo de até sete anos, a nosso ver, cumpriria o legislador com maior assertividade o ideal de capitalização destas empresas ao oferecer a mesma tratativa dos dividendos, que até o momento são isentos de tributação no beneficiário, ou ao menos uma tributação regressiva até o escoamento deste período, reduzindo-a a patamares mínimos, caso o investidor mantivesse os valores até o final deste prazo.
Outro ponto de atenção é a limitação da remuneração do valor investido. Isto porque, conforme determina o §7º do art. 61-A da Lei Complementar 123 de 2005, findo o prazo do investimento-anjo, seja ele convertido em remuneração, seja em participação societária, o valor resgatado não poderá ultrapassar, nos termos da Lei, “o valor investido devidamente corrigido por índice previsto em contrato”.
INVESTIMENTO EM PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO (P&D)
LEI DO BEM
No início da tramitação do então Projeto de Lei Complementar nº 146 de 2019, havia a previsão de que as StartUps poderiam se beneficiar da chamada “Lei do Bem”, a Lei 11.196 de 2005. A previsão inicial era de que, mesmo que participante do regime do Simples Nacional ou do Lucro Presumido (hoje o principal benefício fiscal da Lei do Bem aplica-se apenas às empresas enquadradas no Lucro Real), as StartUps poderiam abater até 60% dos gastos despendidos em pesquisa, desenvolvimento e inovação dos valores devidos a título de CSLL e IRPJ.
A versão final do Projeto, encaminhada à sanção, contudo, não contemplou essa previsão, expressando a posição do legislador de não promover alterações na Lei do Bem.
EMPRESAS OBRIGADAS A INVESTIR EM “P & D”
Relevante alteração, por outro lado, foi a indicada no art. 9º do Marco Legal. Pela nova lei, surgiu a possibilidade de as empresas que possuam obrigação legal de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações públicas, honrarem este compromisso através do investimento em StartUps. Essa obrigação ocorre, normalmente, com as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, em decorrência de lei, mas, principalmente, de contratos públicos – como ocorre, por exemplo, nos contratos de distribuição de energia elétrica.
A previsão, aqui, contudo, é distinta daquela disposta na Lei do Bem. A regulação abrange apenas as empresas que possuam a obrigação legal de realizar investimento em “P & D”, ao passo que a Lei do Bem dispõe de uma faculdade do empresário, caso cumprido determinados requisitos.
Nesse caso específico regulado pelo Marco Legal, deverá o obrigado realizar os aportes conforme orientação do ente setorial que realizou a outorga ou a delegação, através dos seguintes meios:
- Fundos Patrimoniais (os chamados endownments, ou “Fundos Filantrópicos”, que gerem doações de pessoas físicas ou jurídicas);
- Fundo de Investimento em Participações autorizado pela CVM;
- “Incubadoras” geridas por entes públicos.
Embora o Marco Legal preveja a inclusão das StartUps como beneficiárias de valores relativos a investimento em pesquisa e desenvolvimento, não se promoveu nenhuma alteração nos requisitos da Lei do Bem. Através dela, contudo, poderá a StartUp se beneficiar de investimento em “P & D”, enquanto parceira da empresa investidora, caso se enquadre nos requisitos.
CONCLUSÃO
No campo dos investimentos, observa-se que, ao menos com relação ao crédito privado, questões fundamentais não foram tratadas, tais como a possibilidade de amortização do prejuízo na carteira do investidor-anjo, a tratativa expressa quanto à tributação do investidor-anjo, o enquadramento no regime do SIMPLES de sociedades anônimas ou de sociedades com sócio domiciliado no exterior, ou mesmo a regulamentação das Stock Options, omissão esta, apontada por muitos, como a razão da perda de talentos nacionais para empresas no exterior.
Quanto a este último ponto, entende-se que, como não houve vedação do legislador, os planos de Stock Options ainda podem ser celebrados, e constituem relevante instrumento de engajamento dos colaboradores e de governança corporativa. A ressalva jurídica que se deve apontar, contudo, é que o Legislador perdeu a oportunidade de regular para oferecer maior segurança jurídica, reduzindo potenciais contenciosos sobre o tema – notadamente na esfera tributária.
Por essa razão, é fundamental, no momento de celebração destes planos, o devido assessoramento por advogados especializados na área, de modo a evitar que, a despeito da natureza mercantil do plano, ele seja, perante o Fisco, considerado como de natureza salarial.
Por outro lado, a simplificação de algumas regras relativas a Sociedades Anônimas e a possibilidade de cumprimento da obrigação de investimento em P&D através do aporte em StartUps despontam como soluções interessantes, as quais podem gerar, num futuro próximo, incremento na disponibilidade de crédito neste mercado.
Eduardo Ribas / João Tiago Andrade