Como é de conhecimento, em dezembro de 2022 foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2.121 que, ao revogar a IN RFB nº 1.919/2021, passou a consolidar as normas infralegais sobre apuração, cobrança, fiscalização e arrecadação das contribuições PIS e COFINS.
Dentre as alterações trazidas pela nova regra, está a expressa exclusão do IPI da base de cálculo do crédito das contribuições. Vejamos:
Art. 170. As parcelas do valor de aquisição dos itens não sujeitas ao pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não geram direito a crédito, tais como:
I – o ICMS a que se refere o inciso II do § 3º do art. 25;
II – o IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor; e
III – o valor do seguro e do frete suportados pelo comprador não sujeitos ao pagamento das contribuições.
Art. 171. No cálculo do crédito de que trata esta Seção, poderão ser incluídos:
I – as parcelas redutoras decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso III do caput do art. 184 da Lei nº 6.404, de 1976; eII – o ICMS incidente na venda pelo fornecedor, ressalvado aquele referido no inciso I do art. 170.
Com o novo regramento da Receita Federal do Brasil, o IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor, embora componha o custo de aquisição, desde janeiro de 2023, não gera mais direito a crédito.
A nova previsão em regulamento, no entanto, é ilegal e inconstitucional, porque:
- O sistema da não-cumulatividade do PIS/COFINS independe do tributo efetivamente pago na etapa anterior (sistemática “base contra base”), sendo que a limitação ao crédito integral, calculado com base no custo de aquisição, estaria eivada de inconstitucionalidade;
- A IN RBF 2121/2022 traz restrições não contidas nas Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003, que regulamentam a sistemática não cumulativa do PIS e da COFINS, o que viola o princípio da legalidade;
- Afastar o direito de crédito do IPI não recuperável é desnaturar o conceito de custo de aquisição previsto na legislação vigente, o que implica em violação ao que dispõe o CTN;
- A IN RFB 2121/2022 também contraria a orientação da própria Receita Federal, que até então reconhecia o direito de aproveitamento dos créditos do IPI, na apuração do PIS/COFINS (IN RFB nº 1.911/2019, art. 167 e Solução de Consulta COSIT 579/2017).
Adicionalmente, para algumas empresas, o IPI sobre os produtos adquiridos não é recuperável e, dessa forma, compõe o custo de aquisição.
Isso ocorre especialmente com as mercadorias adquiridas por empresas do ramo varejista diretamente do industrial, bem como para as empresas de qualquer ramo de atividade no que tange ao IPI sobre as máquinas e equipamento adquiridos para o ativo imobilizado. Nesse caso, além dos argumentos acima, a vedação ao crédito pode ser refutada pelo seguinte argumento complementar:
- Os tributos não recuperáveis devem compor o custo de aquisição, para fins de apropriação de créditos, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso do ICMS-ST (RESPs n° 1.967.683, 1.568.691 e 1.428.247) – matéria afetada para julgamento sob o rito de recursos repetitivos através do Tema 1125-STJ.
Recentemente, aliás, uma decisão liminar proferida pela Justiça Federal de São Paulo, afastou a restrição prevista na IN RFB nº 2.121/2022, reconhecendo que o IPI integra o custo de aquisição dos insumos e bens, cujo encargo é suportado pelo adquirente:
“O art. 170 da IN 2.121/2022 excluiu o ICMS, IPI e valor do seguro e frete da apuração/aproveitamento de créditos relativos ao PIS e COFINS.
Pois bem, contrariamente ao defendido pela Receita Federal, o IPI, e no mesmo sentido o ICMS, integram o custo de aquisição dos insumos/bens, cujo encargo econômico é suportado pelo adquirente.
A sistemática da não cumulatividade tributária, aplicável ao IPI, ICMS e também ao PIS/COFINS, tem por finalidade obstar a incidência em cascata dos tributos, permitindo a assunção/transferência de créditos como custos de produção, com consequente redução da carga tributária suportada pelo adquirente.
A simetria de tratamento do ICMS e IPI, quanto a não cumulatividade, na apuração da PIS/COFINS, foi reconhecida pelo C. STF, no bojo do julgamento do RE 574.706, considerando a transitoriedade dos ingressos contábeis dos tributos, e o seu enquadramento como custo de produção.
Assim, revela-se ilegítima a restrição imposta pela Receita Federal, oriunda de mera intepretação administrativa que, por sua vez, não possui qualquer amparo legal ou constitucional.
A nova orientação veiculada pela IN 2121/2022, contraria a definição de custo de aquisição previsto no Regulamento do Imposto de Renda – RIR que, por sua vez, estabelece que somente os tributos recuperáveis na escrita fiscal não devem ser computados como custo de aquisição, portanto, tratando-se de tributo não recuperável, o seu respectivo valor deve ser considerado como custo de aquisição para todos os efeitos legais.
O novo entendimento adotado pelo fisco contraria orientação anterior da própria Receita Federal (IN 1919/2021 e Solução de Consulta COSIT 579/2017), que reconhecia o direito de aproveitamento dos créditos do IPI, na apuração da PIS e COFINS.
A radical mudança de entendimento não foi precedida de qualquer alteração ou inovação legislativa, portanto, justificativa legal não existe para a restrição imposta pela Receita Federal.
(…)
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de medida liminar para assegurar à parte impetrante o direito de inclusão e aproveitamento do IPI, desde que não recuperável, quando da apuração dos créditos de PIS e COFINS, oriundos das operações de aquisição de insumos/bens/mercadorias.” – neg. (Mandado de Segurança n.º 5012622-34.2023.4.03.6100; 8ª Vara Federal de São Paulo; j. 03.05.2023)
A decisão reforça que manter a vedação imposta pelo novo regramento seria contrariar a sistemática da não cumulatividade das contribuições, cujo objetivo é, justamente, permitir a assunção e transferência de créditos como os custos de produção, com a consequente redução da carga tributária suportada pelo adquirente.
Entendemos, assim, que o tema é relevante e pode ser levado ao poder judiciário, diante da razoabilidade de seus fundamentos, a fim de manter o IPI na base de créditos do PIS/COFINS.
Sarah Tockus